No princípio era a palavra...
Vida.
Vida.
A Palavra...
Som...
No princípio, a Palavra...
... criando imagens, símbolos...
...concretude.
A Palavra agindo, existindo.
Pura vibração...
Mas como defini-la em seu sentido mais profundo? Por onde começar a desvendar a Palavra e os seus mistérios?
Assim desejo falar da palavra: como uma força, como pura ação, como energia viva.
Quero falar da palavra que aponta para sentidos distantes, que ressoa em nossos corpos e mentes, despertando-nos sentimentos insuspeitados, realidades grandiosas, arrebatadoras, que não podem ser contidas, nem se limitam ao puro espaço lógico da fala ou da escrita.
A Palavra. Não mero vômito disfarçado, que se faz de letrado elegante; essa pretensa “Palavra” que se veste de sentenças complicadas, de termos enfeitados e bem construídos, mas enganosos, já que por dentro o seu discurso fede, sufoca-nos com o seu mau cheiro, com dizeres vazios que arranham a alma, rangendo em movimentos bem ordenados de fria máquina.
Não esta “Palavra”, divorciada do espírito. Não este discurso que unicamente pela lógica tem a pretensão de mostrar a verdade. E que – como dizia Antonin Artaud, pensador e artista francês – pertence aos porcos.
Pois a verdade última – se pode ser mesmo apreendida – gira muito além do alcance de nossa tão pobre visão.
A verdade, seja qual for, somente a Palavra pode revelar. Não qualquer palavra, e sim aquela impregnada de sentimento, aquela capaz de invocar... de evocar... imagens; sons; cheiros; sentidos; sensações diversas no corpo, na alma. E mesmo o incompreensível.
Na Arte, para lograr este feito, a palavra sugere. Seja na escrita, por comparações e imagens, seja na fala, pela entoação, pela sua vibração. E o significado da Palavra está sempre lá, apontando para além dela mesma. O dizer torna-se um símbolo, uma ponte, um veículo, para trazer-nos aquilo que na fria análise não se revela, mas – ao contrário – apenas se perde.

Antonin Artaud
Para Artaud, estar na verdade não significava exatamente construir palavras e termos bem definidos, mas alcançar um estado de ser, que ele chamava de um belo Pesa-Nervos (veja o vídeo ao final). Uma espécie de estação incompreensível e bem disposta no meio de tudo no espírito. Já Luigi Pirandello, autor teatral, perguntava: Tem ideia de quanto mal nos fazemos por essa maldita necessidade de falar? E também apresentava a seguinte questão: “Como podemos nos entender (...), se nas palavras que digo coloco o sentido e o valor das coisas como se encontram dentro de mim, enquanto quem as escuta inevitavelmente as assume com o sentido e o valor que têm para si, do mundo que tem dentro de si?” O cristão Paulo de Tarso, por sua vez, escreveu: “... a letra mata, mas o espírito faz viver”.
Então, visto que a pura lógica se mostra incapaz de definir com eficácia um estado de espírito, falemos sem falar. Falemos por metáforas, por sugestões. Com a voz, ou com a escrita, ou com outros símbolos, quais forem, alcancemos a Palavra, esta que – para revelar e nos fazer viver –, pede o seu próprio ritmo, o seu próprio encantamento. A sua própria construção. A sua própria Arte-Teia.
Convido-os a entrar neste Universo, onde o insondável os espera, onde o inimaginável é alcançado por todo aquele que não se detém petrificado a cada termo ou símbolo, mas salta para além de toda clareza ilusória. E descobre que o Universo se expande e transforma; nunca termina no limite de qual seja o termo ou definição. Convido-os a compreender que o Universo se estende sem cessar a novas conexões, a novas formas, encadeamentos de verdades e realidades. Convido-os a percorrer estas conexões, a seguir a Palavra em chamas que sempre aí está, circulando e dando vida a cada nova estrutura, tecida com Arte e Prodígio.
Seja com métrica ou sem métrica; seja com poesia ou prosa; seja com a fala nobre de um Shakespeare ou com um linguajar popular, capenga de acentos e letras. Não importa. Cada conjunto de expressão terá o seu valor, desde que capture a vida.
E uma vez capturada, a vida – como uma amante obediente – se deixará enfim possuir; mostrar-se-á nua; e feia; e bela – pondo a mostra seus mistérios na Arte-Teia da Palavra.
Adendo:
- No vídeo abaixo, música criada a partir de uma parte do texto "O Pesa-Nervos", escrito pelo teatrólogo Antonin Artaud na década de 1920. O texto grita poéticamente que algo mais invisível e essencial existe além da pura lógica racional. É Artaud reinvindicando à sua maneira a própria Palavra-Viva.
Adendo:
- No vídeo abaixo, música criada a partir de uma parte do texto "O Pesa-Nervos", escrito pelo teatrólogo Antonin Artaud na década de 1920. O texto grita poéticamente que algo mais invisível e essencial existe além da pura lógica racional. É Artaud reinvindicando à sua maneira a própria Palavra-Viva.
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