– Infância, primeiras dificuldades, os roteiros iniciais...
Moore nasceu surdo do ouvido direito e enxergava pouco com a vista esquerda. Em sua primeira casa não havia banheiro ou gás de rua. Seu pai era o funcionário de uma cervejaria, Ernest Moore, e sua mãe, Sylvia Doreen, uma tipógrafa. A infância e adolescência de Moore foram influenciadas pela pobreza – não só da família – mas também da região em que morava. Ao 17 anos, ele foi expulso da escola pelo uso de drogas. Uma carta do diretor, endereçada a todas as outras escolas e universidades, garantiu que nenhum outro centro educacional o aceitasse depois disso. Sem poder estudar, Alan trabalhou em um matadouro; depois passou a limpar banheiros em um hotel de sua cidade. As perspectivas de sua vida não eram das melhores. Em 1977, já casado, Moore percebeu que precisava encontrar uma atividade que desse sentido à sua existência. Começou a colaborar com jornais e revistas locais, escrevendo e desenhando tiras de humor. Percebendo que não se sairia muito bem desenhando, resolveu focar seus esforços em apenas escrever. Sábia decisão. Trabalhando a partir de 1982 para a revista Warrion, Moore criou roteiros que lhe garantiram o prêmio britânico de Melhor Escritor de Quadrinhos em 1982 e 1983. Suas atividades chamaram a atenção da DC Comics, nos Estados Unidos, e a editora o contratou para escrever as histórias da revista Swamp Thing (Monstro do Pântano no Brasil), cujas vendas na época estavam caindo. Nas mãos de Moore, a revista, como por mágica, transformou-se em um sucesso estrondoso. Swamp Thing era produzida em uma tiragem de 17.000 cópias/mês. Este número aumentou simplesmente para mais de 100.000 cópias. Alan Moore se firmava cada vez mais como roteirista, inserindo qualidades literárias em um gênero que não era conhecido por tal distinção, o que fomentou uma verdadeira revolução e transformação na Banda Desenhada. Diversas e inovadoras obras em quadrinhos foram surgindo e – o que antes não acontecia – conquistavam espaço em lojas especializadas e mesmo em livrarias.
– Criatividade espantosa: reformulando antigos personagens
“Tenham ideias próprias. Não é tão difícil.”
Com estas palavras, Moore aconselha os artistas a não imitarem formas e temáticas já consagradas apenas buscando uma fórmula exata para o sucesso, mas a inovarem.
E comprovadamente, Moore segue seu próprio conselho. Ele já demonstrou sua inovação e criatividade, apoderando-se de personagens fracos e recriando-os, dando-lhes nova vida, impregnando suas histórias com um alto grau de interesse, antes inexistente.
Já havia começado esta experiência com o Capitão Bretanha, personagem cujas histórias escreveu para a editora inglesa Warren. O mesmo fez com Miracleman. E esta talvez tenha sido sua maior façanha. Pois Miracelman era inspirado no Capitão Marvel, que por sua vez era inspirado no Super-Homem. Ou seja, Moore inovou e transformou em enorme sucesso o que era nada mais, nada menos que o plágio de um plágio.
Com a série do Monstro do Pântano (Swamp Thing, nos EUA), Moore reformula esse personagem de forma quem sabe ainda magistral do que em Miracleman. Isso acontece em Swamp Thing já na segunda história do roteirista, Lição de Anatomia.
Um cientista disseca o corpo do Monstro do Pântano, aparentemente morto, para descobrir porque certa fórmula secreta transformou o cientista Alec Holland naquele ser monstruoso. Em um clima crescente de mistério e suspense, descobre-se que Holland nunca foi transformado em nada, mas morreu na explosão que o jogou em um pântano. Com base em uma experiência científica real citada na história, Alan Moore leva o leitor, junto com os personagens, à descoberta espantosa de que o chamado Monstro do Pântano nunca foi o que todos pensavam até então.
Em 1986, Moore trouxe à existência antigos personagens com novos nomes e aparência, concebendo Watchmen, uma obra que ganhou vários prêmios Eisner, considerado o Oscar dos Quadrinhos. O argumento de Moore recriava os super-heróis de forma extremamente humana e convincente, colocando-os no ano de 1985, no contexto delicado da Guerra Fria entre os EUA e a Rússia, com a eminente ameaça de uma guerra nuclear. A obra recebeu uma honraria especial no prêmio Hugo de ficção científica, que se voltava até então apenas à literatura tradicional. Watchmen foi também reconhecida pela revista Time, que a considerou um dos 100 romances mais importantes do século 20. Com o passar do tempo, estudiosos viriam a escrever artigos e mesmo livros sobre essa criação de Moore, devido às influências científicas e filosóficas que a mesma contém.
Alan Moore também produziria outras obras fundamentais, como, por exemplo, V de Vingança, Do Inferno, Promethea, Lost Girls (Garotas Perdidas), e o livro de contos “A Voz do Fogo”.
– Uma escrita de poderosa encantação.
Alan Moore já afirmou que a magia é a arte de modificar a consciência através de uma escrita de símbolos. Em seus trabalhos nas histórias em quadrinhos, o roteirista prova que isto é verdade. Suas palavras, principalmente na série Monstro do Pântano, mas também em outras obras, criam uma poesia magnética dentro da prosa. Desde que o leitor se permita, as palavras de Moore vão de fato alterar sua consciência, levá-lo à um tempo-espaço tecido pelos fios das mais diversas e inesperadas sensações. A narrativa de Moore, enriquecida por roteiros inteligentes, une o tema do fantástico com problemáticas sociais, exibindo conhecimentos culturais, mágicos e científicos. Neste conjunto, a palavra enfeitiçada de Moore seduz o leitor a provar todo um mundo que lhe é apresentado de uma maneira simplesmente fora do comum. Os fios condutores da narrativa seduzem a imaginação, levando-nos ora para a perspectiva dos personagens, ora para a do narrador; as metáforas e signos de linguagem, em perfeita sincronia com os desenhos, induzem-nos a luzes e cores; convencem-nos a praticamente tocar, cheirar e sentir a orquestra de um universo perfeitamente apresentado. As histórias do Monstro do Pântano que Alan produziu foram denominadas pela editora DC como uma espécie de horror ou suspense sofisticado. A verdade é que qualquer horror ou suspense nesta série não se impõe com força extrema, mas sim diluído e às vezes até sobrepujado pelo poder extremamente lírico da descrição que modela a narrativa.
Abaixo, dois exemplos da palavra poética e alquímica de Alan Moore.
Abaixo, dois exemplos da palavra poética e alquímica de Alan Moore.
Prólogo:
Enquanto a sua amante dorme, a criatura do pântano senta-se na penumbra rósea e contempla o seu território. Ao leste, jornaleiros cansados de caminhar pelas ruas jogam seus últimos jornais em algum beco sujo, contando aos distribuidores que já terminaram suas entregas. As manchetes moribundas dançam sob um tépido vento, amarantos monocromáticos deslizando através da noite jovem.
Ele observa as folhas de notícias se debaterem como gigantescas mariposas aleijadas pelo próprio peso, golpeando lentamente as árvores negras. Suas páginas ostentam tragédias obsoletas e faces pretéritas... toda a cuidadosa neurose de um mundo ao qual ele não mais pertence.
Atrás de si, sua amante murmura três sílabas oníricas, mas não desperta. O pântano envolve ambos. É o cosmo particular dos dois, onde os problemas do mundo externo aparentam ser apenas conversas sussurradas de homens insanos.
(O Monstro do Pântano, Cara de Fogo, pág. 01)
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