Empreendimentos

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

ANTONIN ARTAUD E A POSSESSÃO DO SOCIAL




         O teatrólogo francês, Antonin Artaud, já alertava que o corpo do homem é um corpo envenenado; e o que estaria envenenando-o seriam as ideias, as noções de comportamento, a moral do que é certo ou errado, toda uma carga que a família e a sociedade lançam desde cedo sobre o indivíduo, levando-o a um estado induzido, sem dar-lhe a chance de pensar e decidir por si mesmo.  Para Artaud, o conjunto das ideias e sentimentos negativos de determinado grupo social são como uma força viva que tende mesmo a se voltar violentamente contra aqueles que não seguem os mesmos padrões. (1) Todo um campo vibracional de ideias e preconceitos do corpo social agiriam assim como um demônio coletivo, uma egrégora sombria a pressionar a mente dos que desejam mudar e se libertar das convenções. Nas palavras do próprio Artaud, neste processo, ocorre uma espécie de possessão do corpo social sobre a pessoa. O indivíduo absorve em seu corpo e mente uma série de oposições, cujo objetivo final é forçá-lo a desistir da mudança e continuar nos antigos padrões, ou então desestabilizá-lo, enfraquecê-lo, o que poderá levá-lo em muitos casos à ruína e à morte. Um dos exemplos mais notórios seria o pintor Vicent Van Gogh, que – conforme Artaud -, não se suicida, mas é suicidado ao ser agredido pela pressão do social. Em seu livro "Van Gogh, o suicidado pela sociedade", Artaud afirma categoricamente que o corpo social, repressor e violento, invadindo o corpo de Van Gogh, leva-o à morte.

            “E nesse delírio, onde está o lugar do eu humano?
           Van Gogh o buscou durante toda sua vida com uma singular energia e determinação;
           e ele não se suicidou num acesso de loucura, de desespero por não conseguir encontrá-lo;
           mas, pelo contrário, ele havia conseguido, tinha descoberto o que era e quem era quando a consciência coletiva da sociedade, para puni-lo por ter rompido as amarras,
            o suicidou.”(2)              
            No final do seu livro Artaud ainda lança-nos esta inquietante sentença: "... como se não fôssemos todos, como o pobre Van Gogh, suicidados pela sociedade!"     


            Referindo-se aos motivos de sua viagem ao México, onde vivenciou o ritual místico e cerimonial do peiote – planta alucinógena - entre os índios Tarahumara, Artaud afirma que não se é livre porque “cem pais-mães pensaram e viveram por nós, antes de nós; e o que poderíamos em um dado momento, na idade da razão, encontrar por nós mesmos, a religião, o batismo, os sacramentos, os rituais, a educação, o ensino, a medicina, a ciência se apressam em nos tirar.” (3) Artaud sonha, anseia pela total liberdade do nosso corpo. Pois é este corpo doente, possuído pelo social, que paralisa o espírito. E propõe, para livrar o corpo de seus padrões congelados, que este seja bombardeado por todos os lados pelos mais incomuns efeitos de um teatro ritualístico. Chamou o seu projeto de teatro da crueldade. Esta crueldade ele definiu como uma atitude rigorosa, sem meios termos, porque necessária.(4) Pretendendo alterar completamente a prática teatral que predominava na sua época, idealizou este seu teatro, em que todos os elementos (espaço, luz, figurino, sons, atores), deveriam atingir os espectadores por todos os meios possíveis em seus sentidos físicos, perturbando-os em seus corpos, para, em conjunto com suas mentes, levar todos a uma compreensão, a uma vivência impossível de se chegar apenas de um modo racional.(5)  

              Artaud defendia que o teatro em seu aspecto mágico-ritual aponta um meio de o homem refazer sua anatomia, ou seja, recuperar o seu corpo perdido. Com este corpo recuperado, o homem então poderia causar mudanças, “tornar-se senhor daquilo que ainda não é” e fazê-lo nascer.(6) “Quem sou eu?”, indaga o artista francês em um poema. "De onde venho?" Ele mesmo responde: "Sou Antonin Artaud / E basta dizê-lo, / Como sei dizê-lo, / Imediatamente / Vereis  o meu corpo atual / Voar em estilhaços / E em dois mil aspectos notórios / Refazer / Um novo corpo / Onde nunca mais / Podereis / Esquecer-me."(7) 
              

Este texto é um resumo do original do autor. 
Para mais detalhes sobre o original, confira abaixo.
           


altDesde a muito o ser humano tem perdido o contato com o seu corpo, com as suas reações físicas e emocionais mais vitais. Contudo, surgiram aqueles que ousaram levantarem-se contra todo o tipo de preconceitos, e lutaram com todas as suas forças para resgatar o corpo humano, para curá-lo, restaurando a sua conexão com a mente e o espírito. O Resgate do Corpo Perdido é uma verdadeira aventura de descobertas, uma viagem pelo trabalho e pelas ideias de importantes artistas e terapeutas QUE idealizaram seus próprios métodos revolucionários. Artaud, Boal, Reich, Moreno, Janov, Bert Hellinger. Teatro, terapia corporal, psicanálise. Os vários caminhos e os obstáculos de uma fascinante jornada para a cura da alma em conjunto com o corpo. Uma obra de Dan Thoth! Venha embarcar em incríveis descobertas, ACESSANDO AQUI!

                                                                
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

(1) ARTAUD, Antonin. Van Gogh: o Suicidado Pela Sociedade. In: WILLER, Cláudio (Org.). Rebeldes e Malditos: Escritos de Antonin Artaud. 1. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 1983, p. 134.
(2) ARTAUD, Antonin. Van Gogh: o Suicidado Pela Sociedade. In: WILLER, Cláudio (Org.). Op. cit., 1983, p. 135.
(3) ARTAUD, Antonin apud LISN, Daniel. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999, p. 97.
(4) ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo. 1. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1993, pág. 76.
(5) ARTAUD, Antonin. Op. cit., 1993, pág. 78.
(6) ARTAUD, Antonin. Op. cit., 1993, pág. 07.
(7) ARTAUD, Antonin. (tradução de Aníbal Fernandes). Eu, Antonin Artaud.Lisboa: Edições Hiena, 1988, p. 111.





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